Tinguim
...mas mãe, por que as pessoas morrem? Perguntou Tinguim puxando a blusa de sua mãe.
O dia estava nublado e uma garoa fina caía. Da janela entreaberta entrava uma brisa que esvoaçavam as cortinas e alguns respingos caíam sobre o móvel, ninguém se importava.
Um cheiro de vela e de flores se misturavam com cheiro de terra molhada e do café que vinha lá da cozinha.
Tinguim ainda muito pequena não conseguia entender o que estava acontecendo. Pessoas choravam, outras mudas com olhares perdidos e com aquele mesmo semblante de que nada seria a mesma coisa!
Uma pequena pétala de rosa vermelha estava caída no tapete surrado e batido da sala. Tinguim abaixou-se com dificuldade e a apanhou. Era macia e cheirosa num vermelho que mais parecia sangue. Andou com ela entre seus pequeninos dedos pelos cômodos da casa, observando as pessoas, os rostos parados, os olhares fixos no ar, como se tentassem encontrar uma resposta.
Sua vó materna estava ao lado daquela caixa grande com velas ao seu redor. Chorando copiosamente sendo socorrida por seus filhos que ali estavam. Tinguim parou estarrecida, pois nunca havia visto sua vó chorar. Então sentiu-se triste, pra ela ninguém deveria ser, ou estar triste. Aproximou-se de sua vó e a abraçou mesmo sem entender.
-Por que chora vó?
-Choro porque minha mãe morreu! Respondeu entre soluços.
Tinguim arregalou os olhos e olhou pra sua mãe que estava do outro lado da sala.
-Mas vó, as mães não podem morrer, como que a gente fica sem as mães?
Deu um abraço em sua vó e saiu assustada.
Atravessou a sala às pressas para alcançar sua mãe.
-Mãe, por que as pessoas morrem?
Como explicar para uma criança a morte se nem mesmo nós entendemos.
Quando morre alguém, morre com ela toda história, toda referência do que foi vivido. Mas como explicar a morte?
Sua mãe a carregou e a abraçou.
-Você sabe que Deus mora no céu, não sabe?
-Sei sim, balançou a cabeça segurando e olhando a pétala.
-No céu tem um lindo jardim e de vez enquando Deus precisa de mais flores por lá. Quando você quer dar uma flor para alguém qual flor você escolhe?
-Ahhhhh, a mais cheirosa, a mais bonita e a que me deixa mais feliz!
-Então, assim é feito... Deus escolhe as mais belas flores e leva pro céu.
Tinguim ficou parada, com seus pensamentos a mil por hora...
-Mas mãe, por que Deus não deixa essas flores aqui pra enfeitar esse mundo?
-Talvez porque as pessoas daqui ainda não sejam capazes de ver a verdadeira beleza delas.
-Mãe, eu não quero ser uma flor bonita e nem quero que você seja bonita e ninguém, ninguém mesmo, nem papai, nem vovô, ninguém, nadica de nada.
Sua mãe riu.
-Então o mundo se tornará muito feio. Só com flores feias.
-Mas mãe, é ser feio de mentirinha.
-Não se engana a Deus, pois ele conhece nossos corações.
-Ahhh, assim não vale, todas as mães são flores lindas... entristeceu.
-Não fique triste, ainda somos sementinhas.
Desceu do colo de sua mãe e atravessou a sala chegando ao lado de sua vó. Pegou a pequena pétala vermelha e entregou a ela.
-A sua mãezinha é mais linda do que essa pétala por isso ela foi viver no céu. Mas a gente ainda é sementinha.
Sua vó ficou parada olhando fixamente pra ela.
-Sim, você tem razão! Segurando a pétala com carinho.
Suspirando de alívio, Tinguim perambula pelos cômodos da casa.
-E agora quem vai cuidar da minha vó? Ela não tem mais mãe! Começou a chorar e quando a gente chora é o colo da mãe que a gente quer.
Voltou-se rapidamente para o colo de sua mãe.
E de tanto chorar, adormeceu.